E sobre falar, usar como exemplo, escrever (e cia) sobre pessoas de outro século.
Porque esta é mais uma daquelas ocasiões em que eu ser (também) pesquisadora em História da Ciência aflora.
Semana passada escrevi um post sobre livros, aqui, sobre ler livros de outros séculos e contextos variados.
Mas eu queria usar a estrutura deste artigo que fiz para fazer outro e falar sobre pessoas.
Ler um livro que fala sobre pessoas de outro século não é exatamente um problema.
Falar sobre pessoas de outro século não é exatamente um problema.
Usar exemplos sobre pessoas de outro século falaram não é exatamente um problema.
O problema é não considerar quem o lê/fala/usa como um editor e curador de seu próprio conteúdo.
E não considerar que este leitor/comentador está lendo e falando com seus olhos e sua bagagem de século XXI (e vários, também de século XX).
Alguém do século XVII, ou do século XVIII, ou do século XIX, ou do século XX, ou do século XXI, não agia (ou age) da mesma maneira um francês do século XVI.
Alguém que seja da física, ou da biologia, ou da sociologia, não age da mesma maneira que um francês que atuava em ciências naturais no século XVIII.
Alguém que esteja mergulhado em sistemas complexos e em transdisciplinaridade, não age da mesma maneira que alguém que não esteja, frente a um livro francês sobre filosofia do começo do século XIX.
Além do fato que um livro (e aqui no caso principalmente seu autor) estariam na França do século XVI, e você está agora no século XXI (e com toda sua bagagem pessoal, geracional, local, etc), mas foram influenciados por pessoas do, no mínimo, séculos XVI, XVII, XVIII, XIX, XX e XXI. Ou poderá estar.
Nada disso que foi dito é bom ou ruim, ruim é não ter consciência de si mesmo enquanto leitor, editor, curador, pesquisador e pessoa, e onde está, o que é, de onde veio e para onde está querendo ir.
Porque tudo que você fala sobre algo - inclusive sobre alguém que você está lendo e/ou trabalhando sobre- é VOCÊ dizendo algo sobre ele.
E que você "pinçar" alguém para fazer ou dizer alguma coisa, seja para dar uma opinião, escrever um artigo, fazer um projeto, e não contextualizar esta pessoa, pode originar um artigo, uma opinião, um projeto "redondinho", mas inexato e com diversos graus de manipulação.
E se for com pessoas de outro século e contexto, você estará fazendo anacronismo de péssima qualidade, seja intencionalmente ou não (anacronismo aqui em português e em inglês).
Bom é ter senso crítico apurado juntamente com o mínimo de preconceito possível.
E sabendo que mesmo na construção (e divulgação) de SEU conhecimento, além de "uma andorinha só não faz e não traz o verão", falsas simetrias costumam ter resultados ruins. E consequências, idem.
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