Pensamentos cartesianos e sistêmicos
“Comparar o pensamento cartesiano ao paradigma emergente no século XX. O primeiro é reducionista e modelo para o método científico desenvolvido nos últimos séculos. O segundo, holístico ou sistêmico, vê o todo como indissociável; o estudo das partes não permite conhecer o funcionamento do organismo. As comparações são feitas em vários campos da cultura ocidental atual, como a medicina, a biologia, a psicologia e a economia.”
[Ponto de Mutação[1] - The Turning Point [2]]
Este parágrafo acima foi tirado da página em português sobre o livro de Fritjof Capra, Ponto de Mutação, publicado em português em 1983[3].
E isso é um problema[4].
Por que?
Por que não contempla a contextualização do que foi escrito por Descarte em seu tempo. E assume que, por não existir o termo “holismo” nos séculos anteriores, não havia este tipo de pensamento (e ação).
Este foi, por exemplo, um dos maiores embates no pensamento médico francês do final do século XVIII e início do século XIX, protagonizados pelo pensamento médico da Escola de Montpellier versus o pensamento médico da escola de Paris[5].
Mas isso ocorreu no final do século XVIII e início do século XIX. Assim como Descartes é do século XVII. Vendo escritos do século XX. E nós estamos no século XXI.
Não se pode com isso ter atitudes como as vezes se ouve: “... caramba, se o tal do Newton foi tão genial, como ele não previu isso? – pergunta um interlocutor ocidental do século XX”. Este tipo de atitude se chama anacronismo[6]. E é perigoso, pois leva a conclusões absolutamente falsas usando pseudo-verdades, ou mesmo fatos (e outros) verdadeiros.
E o problema de um “pensamento cartesiano” não é necessariamente sua fragmentação, mas seu ‘especialismo’[7], o termo que uso para quem abusa da especialização[8]. Se quem exerce a fragmentação souber fazer o movimento micro e macro, e vice-versa, a fragmentação não é um problema[9].
E um pensamento sistêmico, se se referir a pensamentos que envolvem a ideia de sistemas complexos, só pode se referir a pensamentos que ocorreram após o nascimento (no mínimo) do criador da teoria de sistemas[10], Ludwig von Bertalanffy[11], 1901-1972.
Este é o tipo de armadilha teórica e argumentativa que contamina muitos argumentos bons. E os deixa menos sólidos.
[1] Livro de Fritjof Capra publicado em 1983. http://pt.wikipedia.org/wiki/O_Ponto_de_Muta%C3%A7%C3%A3o
[2] The Turning Point: Science, Society, and the Rising Culture is a 1982 book by Fritjof Capra written to examine perceived scientific and economic crises through the perspectives of systems theory. http://en.wikipedia.org/wiki/The_Turning_Point_(book)
[3] http://pt.wikipedia.org/wiki/O_Ponto_de_Muta%C3%A7%C3%A3o
[4] Saliento aqui que estou falando do verbete da Wikipedia e não da obra em si. Oportunamente poderei fazer uma resenha da obra (e há várias na WEB), mas não é o caso e nem o mote deste artigo.
[5] Na falta de uma sugestão mais simples, ver entre as páginas 9 e 22 desta tese. http://www.livrosgratis.com.br/arquivos_livros/cp138034.pdf
[6] http://pt.wikipedia.org/wiki/Anacronismo
[7] O ‘especialismo’ https://mthamaral.wordpress.com/2011/03/21/razao-publica-x-espertos-2/
[8] A transdisciplinaridade e os especialistas, mthamaral.wordpress.com/2011/07/07/a-transdisciplinaridade/ e mthamaral.wordpress.com/about-2/sou-posso-ser/transdisciplinaridade-complexa/ .
[9] Pode-se exemplificar como alguém que sabe se mover entre o ver por um microscópio, sabe olhar a olho nu e sabe olhar em um telescópio. Um bom exemplo desta dinâmica é este vídeo:
[10] A teoria dos sistemas é o estudo interdisciplinar de sistemas em geral, com o objetivo de elucidar os princípios que podem ser aplicados a todos os tipos de sistemas em todos os níveis de encadeamento em todos os campos de pesquisa. http://en.wikipedia.org/wiki/Systems_theory#General_systems_research_and_systems_inquiry
[11] Karl Ludwig von Bertalanffy (Viena, 19 de setembro de 1901 — Buffalo, Nova Iorque, 12 de junho de 1972) foi um biólogo austríaco. http://pt.wikipedia.org/wiki/Ludwig_von_Bertalanffy
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