A HISTÓRIA RECENTE DO BRASIL
(publicada originalmente no blog behind the moon em 08/04/2010 e em 21/12/2012)
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Estou com uma sensação estranha de que a história recente do Brasil de novo está se esvaindo para aquele armário escuro e profundo chamado “esquecimento”.
Nasci (1960) e cresci no interior de São Paulo, e a Revolução de 1964 não chegou lá, não para meus olhos ou para os olhos de minha irmã (de 1963).
Não éramos politizadas, não discutíamos política neste nível, mas éramos informadas, diferentemente da enorme maioria de meus colegas.
Meu pai, já falecido, assinou Veja deste o primeiro número (tempos de Mino Carta, da atual ‘Carta Capital’ – ainda que Mino Carta jamais tenha sido uma unanimidade entre os que eram contra a ditadura, e ainda não o é e acredito que jamais irá ser, ele é controverso e intenso demais para isso) . Toda semana a revista chegava de São Paulo por malote, mandada a ele pela filial de São Paulo da empresa em que ele trabalhava, as Indústrias Romi. E quem seria o primeiro a ler a revista, que a princípio era privilégio dele, começou a ser uma disputa árdua a medida que avançávamos na adolescência.
E também desde sempre (na minha visão) ele assinou o Estadão, o jornal ‘O Estado de São Paulo’ para os menos íntimos. E intermitentemente assinou a ‘Folha de São Paulo’ (do jornalista Claudio Abramo , influente participante da melhor fase do Jornal ‘A Folha de São Paulo’)
Assinou por muito tempo a revista Realidade, mas esta fase não aproveitei.
Mas mesmo para alguém não tão politizada como eu, na década de 70 os ‘vazios’ do Estadão eram significativos.
As receitas culinárias publicadas não foram tão significativas quanto o poema, maravilhoso poema ‘O Peixe’ de Cecília Meireles, estando em destaque. Um poema lindo, enorme, ‘gritando’ ao mundo que aquilo que acontecia no Brasil não era saudável, não era desejável, não era ético.
(e é interessante colocar que nunca mais achei este poema)
Meu lado político aflorou e se afinou com os guerrilheiros? Não. Mas eu comecei a perceber que era uma guerra desigual. Sim, porque foi uma guerra, não-declarada, discutida entre sussurros, mas com todas as más conseqüências que uma guerra trazia e trás.
Idealismo nunca deverá ser combatido com o tipo de violência com que ele foi combatido nesta época. E nem usado como foi (se sabe agora que, do lado dos discordavam ativamente do tipo de governo que tínhamos, e pegaram em armas, alguns poucos usaram métodos tão condenáveis quanto os defensores da ditadura, assim como houveram aqueles que sempre tiveram uma agenda própria, separada de seu coletivo).
Mas o que marcou esta época para mim é que ninguém mergulha em violência contra outros seres humanos impunemente. As duas principais derivações disso para mim é uma enlouquecedora e cegante insensibilidade emocional (usada como defesa) cada vez maior, e a loucura (ninguém vai me convencer que os torturadores, principalmente os que torturavam entre 1968 até idos do governo do presidente Ernesto Geisel, fossem sãos, mentalmente, não dá para ser).
Não entro em questões “João Goulart” e cia, mas o que vi quando fui me politizando (idos de 1975 para frente) foi exército de um lado, sendo governo, e do outro lado… os ditos subversivos, só que chegou uma altura que era difícil definir “subversivo”.
Para mim o símbolo do período foi Vladimir Herzog.
Porque morreu Vladimir Herzog? Era perigoso? Para ninguém. Morreu porque, então? Pois é, isso que me incomodava, “foi morrido” porque? Por mais que ele tenha se tornado o símbolo da intolerância (e da crueldade) do dito “governo” em diversos níveis, morreu porque?
Não teve uma luta só, não havia um só ideal comum, dá para saber por escritos mais recentes, como citei acima, que traições houveram de todos os lados, que idealistas não eram todos, que muitos usaram tanto um lado quanto o outro com motivações exclusivamente pessoais, mas esta parte da História do Brasil foi mais que isso.
‘Diretas Já’ foi conseqüência disso, tudo que é o Brasil hoje, para o bem e para o mal, é conseqüência disso.
E de novo, em 2018 e em 2022 entramos em campanhas presidenciais com grande parte da população votante abaixo dos 25 anos sem nem noção do que aconteceu no Brasil de 1950 para cá. Absurdo. Um completo absurdo (escrevi isso em 2010 e 2012, mas continua dolorosamente válido).
Vários dos personagens estão vivos.
Cadê depoimentos, cadê palestras transmitidas via web, cadê “História do Brasil de 1950 para cá para quem nasceu depois de 1985”?
Em 2012, dois dos candidatos a presidência foram perseguidos políticos, uma simbolizava até onde chegaram os ambientalistas dos anos 80 e não se contextualizou nenhum dos três historicamente, de maneira séria e isenta.
Nós este ano de novo estamos fazendo História, e repetindo esta não-historicidade alienante. Para uns é útil fazer isso de maneira ativa. Para outros, não há base que os tire do não-saber (que é um projeto de alguns) e eles fazem isso de maneira passiva.
Se deixarmos isso ir em frente assim, estaremos compactuando com a historicamente desmemoriada nação brasileira.
Não seria hora de romper com isso?
E retomo esta pergunta de 2010 e 2012 neste ano de 2022: não seria hora de se romper de vez com este maniqueísmo emburrecedor?
Nesta semana os textos serão mais pessoais.
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Serão publicados textos que estão em :
https://behindthemoon.wordpress.com/
https://atrasdalua.wordpress.com/
https://poempoesia.wordpress.com/
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Porque as turbulências desta semana pedem uma reflexão (que talvez leve a uma inflexão) que só os ares mais poéticos possibilitam.
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